sábado, 30 de outubro de 2004

A monarquia incógnita

Se tivesse jeito para a escrita, escrevia um romance. Nada de paixões assolapadas e impossíveis, que isso era a especialidade do Camilo Castelo Branco. E muito menos de mano e mana a dormir na mesma cama, ou o filho resolvendo finalmente o complexo de Édipo (desculpem lá o Freud) com a mãe na Rua das Flores; o Eça foi magistral nisso. Até matou a tal rapariguita por ter ido para a cama com o primo Basílio.
Ná! O que não falta na literatura portuguesa são mães arrependidas a atirar-se da janela abaixo, e fulanas a morrer de febres cerebrais (ainda estou pra saber o que são as febres cerebrais, mas enfim.)

O meu romance iria ser sobre a monarquia. Também não a monarquia tipo Espanhola, das Hollas (escreve-se com um ou com dois "éles"?) ; nem sobre a portuguesa, que meia dúzia de "mabecos" da imprensa dita cor-de-rosa insistem em pôr nas mãos dum tipo de bigodes que fala com a boca cheia de favas.

A monarquia do meu romance teria vários reis e vários príncipes, mas todos eles não visíveis. Os duques, marqueses, barões, condes e viscondes não apareceriam em nenhuma revista cor-de-rosa, azul ou amarela, simplesmente porque este tipo de revistas, ou SIC, TVI, ou Canal Vivir/Viver, nem sonharia que eles existiam. Tampouco as cinhas, as lilis,os castéis brancos ou tintos escusavam de esmolar fotografias em festas de alta burguesia falida, porque a burguesia (alta e falida ou não) era tida por todos como não existindo.

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E agora o enredo, coisa complicada mas nada impossível de se escrever.

Imaginem que os meus nobres e burgueses detinham o poder sem que alguém disso suspeitasse. Recebiam e geriam incalculáveis fortunas de milhões e milhões, mudando esta lei aqui, conseguindo aquela obra ali. Os seus nomes não teriam de levar um "de...e", tipo "de Pinto e Almeida", nem de ser amestiçados, do género " Antunes von Wilmmer". Poderiam ser até do género Manel dos Anzóis porque ninguém os saberia, jamais!

E ao contrário da máfia, que tenta obter o que quer à custa dum tiro neste ou dois naquele, os meus nobres seriam uns verdadeiros diplomatas, avessos a qualquer tipo de publicidade ou espavento. Mexendo-se na sombra, obteriam muito, mas muito mais com menos, mas muito menos custo: seriam uns verdadeiros mestres do xadrez colocando neste lugar o indivíduo que tentaria mudar as leis a seu contento, pagando-lhe rios e rios de dinheiro para ser a peça a abater pelos seus adversários sem sequer dar a entender que havia uma "monarquia" sombra do governo eleito. Nomeando através doutra peça do seu tabuleiro um peão ignorante da acção de bastidores que se dispusesse a mandar determinado adversário mais incómodo para a rua.
No meu romance apareceriam sociedades secretas ou semi-secretas, tipo maçonaria(s) e opus dei(s), mas mesmo essas julgariam (apenas julgariam) mexer os cordelinhos das marionetas. O que é importante é que ninguém, mas absolutamente ninguém do país do meu romance teria consciência de que existia uma monarquia escondida, tão escondida quão poderosa, manipuladora e sempre, sempre, mas sempre conseguindo atingir os seus propósitos.

Interrogo-me se seria legítimo escrever no prefácio que "qualquer semelhança entre passagens desta obra e cenas da vida quotidiana é pura coincidência"...

3 comentários:

Anónimo disse...

Excelente posta, sem dúvida!
Só ainda não percebi, porque não comentam mais aqui!
Bons escritos!
Tens é que escrever menos pode-se tornar massudo...

Eu

Anónimo disse...

Obrigado pelo comentário. Realmente é verdade que poucos comentários aqui aparecem, mas se eu tivesse aberto um blog de lamechices, era cá um rodopio...
Quanto ao tamanho dos escritos, eh eh, é o que me vai na alma.
Um abraço e mais uma vez obrigado pela visita
:)

Anónimo disse...

Passei por acaso, graças a ter procurado por "Monarquia". Gostei REALmente muito do texto, e da ideia que norteia o tal romance(ainda para mais porque me é cara). Força! E Parabéns! Escreve bem e é muito interessante.

Tiago