quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Aí era o meu lugar

Milhentas vezes imaginei e ensaiei o regresso à minha escola primária. Centenas de vezes passei áquela porta rezando para que estivesse aberta. Dezenas de vezes a vida profissional me fez passar por ali e nunca consegui desviar o olhar, talvez na esperança de ver ali por perto uma cara conhecida que me desafiasse a entrar.
Finalmente enchi-me de coragem e, num dia em que tinha um pouco mais de tempo e uma auxiliar "cúmplice" e sabedora dos meus fantasmas me acenou, lá entrei. E foi com a maior das surpresas que encontrei cara conhecida a leccionar ali.
...
Que diferença na dimensão das coisas fazem quarenta anos. A sala parece tão pequena, pequenina, pequenininha, comparada com o salão fundo, alto, enorme, onde toda a grandeza dos nossos sete anos se afundava sem deixar eco.
O quadro negro, felizmente já não é negro.
E aquele maldito estrado de dois degraus que tínhamos de subir para chegar ao quadro (e mesmo assim o quadro era tão alto) já lá não estava.
Que é feito do fogão a lenha, além naquele canto, que nunca foi fogão (apenas adorno), nem nos invernos em que alguns amigos meus não podiam vir à escola, porque os dedinhos dos seus pés descalços se enterravam na lama?
Desapareceram as três filas de carteiras (a dos bons, a dos mais-ou-menos, e a dos "burros"), separação e nomenclatura frutos dum regime, impostas por um professor fruto da época e também ele vítima e instrumento desse regime.
...
Fitinhas nas paredes substituiram o crucifixo e a foto do todo-poderoso-chefe-da-nação. Flores em papel de diversas alturas com o nome de cada um roubaram o lugar à régua, num reconhecimento inteligente de que o reforço vale muito mais que a punição.
...
-Olhe, olhe: aí mesmo onde você está era o meu lugar.
-Aqui? Não me diga...
-Sim senhor, e sabe quem era o meu parceiro de carteira?
É claro que todo um furacão de recordações rodopia com uma velocidade incrível. Por mais que se queira não se consegue relatar tudo no momento, e coisas que estavam perdidas nas caves da memória, que nem sonhávamos existirem, reaparecem com toda a força que décadas de "alienação" lhe deram.
Um dia destes vou voltar ao assunto, com mais calma.

9 comentários:

Anónimo disse...

Também já regressei à minha escola primária e também senti a estranheza das dimensões da sala e das carteiras que agora parecem tão pequenas!
Também regressei ao colégio onde fiz o 5º, 6º e 7º anos mas dessa vez para dar aulas... aí sim, foi estranho, no primeiro dia fez-me uma confusão terrível entrar na sala de professores e falar de igual para igual com antigos professores meus!

Em relação à tua escola, tenho a certeza que não era tudo mau, sei por experiência que havia muitas coisas que funcionavam muito melhor que agora (ao menos havia respeito)

Anónimo disse...

Fizeste-me regressar à minha carteira, olhar para o lado, descobrir o Zé imaginando a próxima.
E aguçaste-me o apetite de um dia lá voltar.

Anónimo disse...

Recentemente visitei a minha Escola Secundária. Compreenderá concerteza o quanto me soube bem rever professores, funcionários, as salas de aula e ver que tanto já tinha mudado e para melhor felizmente.

E fiquei a pensar, que só damos valores às coisas, aos momentos deliciosos da vida quando já não os podemos voltar a ter...

Abraço!

Anónimo disse...

Histórias da vida (lol)

Infelizmente as escolas onde eu andei já não existem, nenhuma delas, tanto quanto sei. Por isso, já não posso ir lá....

Anónimo disse...

Nunca visitei fisicamente a minha antiga escola primária à entrada do Bairro dos Alemães. Revisitei-a milhares de vezes na minha imaginação. Gostei do teu artigo! Fez-me voltar :)) .
Um abraço, boa semana e Benção Abacial.

Anónimo disse...

Amigo,

uma das tuas maiores qualidades é nunca teres deixado de ser o menino que um dia se sentou na dita carteira.

Um grande abraço

Anónimo disse...

Gostei muito do artigo! Senti o pó de giz na mão...

Anónimo disse...

@---> trequita
Claro que nem tudo era mau. Mesmo sem nos referirmos à definição de estatuto e papéis professor/criança/pais que está completamente subvertida, havia coisas boas. É claro que não defendo o ensino do Estado Novo, mas não é por isso que vou afirmar que tudo era mau.
Um abraeza a recordar ojos, sonrisas,tallas,...como se vería con pelo?, más gordo , mas flaco(a), .. ahí estaban reconocí a muchos...el otro cuento era saber el nombre, pero ya no importaba, todos de alguna manera tienen algo que ver conmigo.. y me emocioné,,, a cada uno, quién más quién menos, les tengo un cariño especial y me agradó mucho verlos. Espero no perder contacto

Hacía tiempo que no carreteaba hasta tan tarde, hoy tengo sueño, de hecho tenía una actividad en el colegio de mi hijo muy temprano, y estoy feliz de haberlos visto.
Un abrazo a todos y nuevamente gracias a las organizadoras.

Solange Marchant�a una actividad en el colegio de mi hijo muy temprano, y estoy feliz de haberlos visto.
Un abrazo a todos y nuevamente gracias a las organizadoras.

Solange Marchant

Anónimo disse...

@---> trequita
Claro que nem tudo era mau. Mesmo sem nos referirmos à definição de estatuto e papéis professor/criança/pais que está completamente subvertida, havia coisas boas. É claro que não defendo o ensino do Estado Novo, mas não é por isso que vou afirmar que tudo era mau.
Um abração.

@---> nikonman
Já viste um filme EXCELENTE que passou há uns dias na tv (em que canal?) : a "Linha Mortal"? Se não viste dá um salto ao clube de vídeo e aproveita. Por que digo isto? É que se fores lá à escola vais acordar fantasmas, eh eh.
Outro abração.

@---> zig
Com a capacidade que tens de nos fazeres ver cores, ouvir sons e sentir cheiros dos teus "posts", duvido que precises que o edifício ainda exista para reviveres e nos fazeres viver/reviver as tuas histórias de lá.
Já me começam a doer os braços mas venha lá mais um abração.

@---> o restaurador
Tudo tem uma época própria, e se só damos valor às coisas em determinada altura, é porque esse é o momento adequado para tal, se fosse antes perdia-se (porra, estou a ficar filósofo)
E mais um abração.

@---> abade.anacleto
Tá na hora, tá na hora. Também andei nessa escola (a 4ª classe). Sabes o nº do telelé. diz qualquer coisa e vamos até lá.
Pra variar, também levas um abração.

@---> kicker
Não é difícil, o difícil é encontrar pela frente gente que tem vergonha de mostrar que foi menino.
Estão-se a esgotar os abraços, mas tambem apanhas.

@---> rcataluna
E o maior orgulho era o prof pedir-nos para ir "bater o apagador" que já estava cheio de giz.
Ufa, aí vai o último abraço de hoje.

@---> TODOS
Desculpem lá o tardio das respostas, mas tenho andado ocupadíssimo (viola, bica, "uisquis" etc. e tal.)