terça-feira, 31 de agosto de 2004

Memórias

Para que fique claro antes de começar a escrever este post: não nutro qualquer pinga de simpatia pela filosofia dos taliban, bem como também nada de especial tenho a favor ou contra o islão. Nem professo ou detesto o budismo. Sou ateu a 101% e pronto. E que ninguém me venha com a treta de que "Tens de acreditar que há algo superior". Superior sou eu e os que, tal como eu, tratam o seu semelhante com o devido respeito pela simples razão de que ele é isso mesmo: o seu semelhante; ao contrário daqueles que apenas o fazem na mira de subornar um "ser superior" que os leve para "o paraíso".
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Memórias I
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E pronto, posso começar a falar mal dos taliban. É que há uns minutos fui deparar com alguns sites onde se podia ver as estátuas de Buda derrubadas pelo governo taliban. E lembrei-me de conversas onde os meus interlocutores se inflamavam contra o crime de derrubar obras milenares, representantes duma das filosofias mais pacatas e de respeito pelo próximo. Claro que não posso deixar de sentir a mesma repulsa, por essas razões e mais algumas, se calhar até pela razão principal.
Terão sido dinamitadas porque o islão é uma região de fanáticos?
Ou terão sido dinamitadas porque as pedrinhas estavam ali à mão de semear para uma obrazita qualquer (onde é que eu já vi este filme?)?
Ou estavam a fazer sombra?
Não! Não e Não!
Um povo não é um povo porque todos discutem se se deve fazer o Euro2004 ou não.
Um povo não é um povo porque todos falam a mesma língua ou vivem dentro das mesmas fronteiras.
Um povo não é um povo porque usam todos a mesma moeda.
As memórias colectivas são o que faz um povo ser isso mesmo : um povo .
Ao dinamitar as estátuas de Buda, os taliban atingiram um ponto fulcral da memória colectiva dos afegãos, fossem eles islamitas, budistas, cristãos ou lá o que fossem. Ao tirarem-lhe uma parte da sua memória tentaram "encarneirá-los", um povo sem memória não passa de um grande rebanho dócil, que não tem nada que o relembre de si mesmo. E torna-se fácil de "injectar" com seja o que fôr, chame-se a "seringa" Big Brother, Casa dos Famosos, domingo de missa, sábado na sinagoga ou lá o raio que os parta.
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Memórias II
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Um dos episódios mais marcados e marcantes da minha infância, teria eu para aí uns quatro anos, passou-se na antiga Praça Diogo Fernandes, o Jardim de (ou do?) Bacalhau.
Muitos e muitos anos antes da Câmara Municipal nos presentear com aquela gaiola malparida desenhado por vesgos, e mesmo antes de ali haver qualquer quiosque ou esplanada, havia no Jardim de Bacalhau um lago. Baseado num quadrado, saía de cada um dos lados um semicírculo. Toda a volta do lago apresentava, em pedra, um "murinho" que teria para aí palmo e meio de altura.
Ora andava o meu pai a passear-me por ali quando encontrámos um tio meu. Na mira de me porem quietinho enquanto falavam descansadamente, o meu tio apontou para a borda do lago :"Se te sentares aí quietinho, vais ver que isso anda à roda como o carrocel". Santa ingenuidade da infância: ali estive uma eternidade de 15 minutos à espera que o lago girasse. E sempre que por ali passava lá ía correndo sentar-me, porque eu sabia que era dessa vez ... Mas o meu pai ou a minha mãe abalavam comigo sempre um minuto antes de se realizar o encantamento. Deixa estar que para a próxima é que é, e dessa vez vou ficar aqui até à hora do jantar.
Quantos bejenses, mas quantos?, da minha idade ou não, terão locais mágicos como este? A quantos arrancaram os seus "carróceis", pondo lá mamarrachos a coberto da "revitalização" da cidade?
Porque razão dinamitaram os meus budas?

3 comentários:

Anónimo disse...

Sim, sim, foi uma grande cagada o que fizeram à nossa cidade, isto para utilisar um eufemismo...

Jorge M.

Anónimo disse...

Não sejas tão pessimista. Procura bem, com olhos de ver, os budas continuam lá...

Anónimo disse...

Então essas postas? Solta a criatividade, qúe é o que não te falta...

Jorge