Para que fique claro antes de começar a escrever este post: não nutro qualquer pinga de simpatia pela filosofia dos taliban, bem como também nada de especial tenho a favor ou contra o islão. Nem professo ou detesto o budismo. Sou ateu a 101% e pronto. E que ninguém me venha com a treta de que "Tens de acreditar que há algo superior". Superior sou eu e os que, tal como eu, tratam o seu semelhante com o devido respeito pela simples razão de que ele é isso mesmo: o seu semelhante; ao contrário daqueles que apenas o fazem na mira de subornar um "ser superior" que os leve para "o paraíso".
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Memórias I
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E pronto, posso começar a falar mal dos taliban. É que há uns minutos fui deparar com alguns sites onde se podia ver as estátuas de Buda derrubadas pelo governo taliban. E lembrei-me de conversas onde os meus interlocutores se inflamavam contra o crime de derrubar obras milenares, representantes duma das filosofias mais pacatas e de respeito pelo próximo. Claro que não posso deixar de sentir a mesma repulsa, por essas razões e mais algumas, se calhar até pela razão principal.
Terão sido dinamitadas porque o islão é uma região de fanáticos?
Ou terão sido dinamitadas porque as pedrinhas estavam ali à mão de semear para uma obrazita qualquer (onde é que eu já vi este filme?)?
Ou estavam a fazer sombra?
Não! Não e Não!
Um povo não é um povo porque todos discutem se se deve fazer o Euro2004 ou não.
Um povo não é um povo porque todos falam a mesma língua ou vivem dentro das mesmas fronteiras.
Um povo não é um povo porque usam todos a mesma moeda.
As memórias colectivas são o que faz um povo ser isso mesmo : um povo .
Ao dinamitar as estátuas de Buda, os taliban atingiram um ponto fulcral da memória colectiva dos afegãos, fossem eles islamitas, budistas, cristãos ou lá o que fossem. Ao tirarem-lhe uma parte da sua memória tentaram "encarneirá-los", um povo sem memória não passa de um grande rebanho dócil, que não tem nada que o relembre de si mesmo. E torna-se fácil de "injectar" com seja o que fôr, chame-se a "seringa" Big Brother, Casa dos Famosos, domingo de missa, sábado na sinagoga ou lá o raio que os parta.
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Memórias II
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Um dos episódios mais marcados e marcantes da minha infância, teria eu para aí uns quatro anos, passou-se na antiga Praça Diogo Fernandes, o Jardim de (ou do?) Bacalhau.
Muitos e muitos anos antes da Câmara Municipal nos presentear com aquela gaiola malparida desenhado por vesgos, e mesmo antes de ali haver qualquer quiosque ou esplanada, havia no Jardim de Bacalhau um lago. Baseado num quadrado, saía de cada um dos lados um semicírculo. Toda a volta do lago apresentava, em pedra, um "murinho" que teria para aí palmo e meio de altura.
Ora andava o meu pai a passear-me por ali quando encontrámos um tio meu. Na mira de me porem quietinho enquanto falavam descansadamente, o meu tio apontou para a borda do lago :"Se te sentares aí quietinho, vais ver que isso anda à roda como o carrocel". Santa ingenuidade da infância: ali estive uma eternidade de 15 minutos à espera que o lago girasse. E sempre que por ali passava lá ía correndo sentar-me, porque eu sabia que era dessa vez ... Mas o meu pai ou a minha mãe abalavam comigo sempre um minuto antes de se realizar o encantamento. Deixa estar que para a próxima é que é, e dessa vez vou ficar aqui até à hora do jantar.
Quantos bejenses, mas quantos?, da minha idade ou não, terão locais mágicos como este? A quantos arrancaram os seus "carróceis", pondo lá mamarrachos a coberto da "revitalização" da cidade?
Porque razão dinamitaram os meus budas?
3 comentários:
Sim, sim, foi uma grande cagada o que fizeram à nossa cidade, isto para utilisar um eufemismo...
Jorge M.
Não sejas tão pessimista. Procura bem, com olhos de ver, os budas continuam lá...
Então essas postas? Solta a criatividade, qúe é o que não te falta...
Jorge
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